
O antigo Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), Bernardino Rafael, será ouvido na próxima segunda-feira, 7 de julho, pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A audiência ocorre na sequência de uma denúncia submetida pelo Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), em 26 de novembro de 2024, contra o Comando-Geral da PRM, então liderado por Bernardino Rafael, e contra o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), representado por Nelson Valente Rego.
A denúncia em causa aponta graves violações de direitos humanos alegadamente cometidas durante as manifestações pós-eleitorais, que ocorreram entre 21 de outubro e 17 de novembro de 2024. Desde então, a denúncia foi sendo actualizada pelo CDD à medida que novos factos configurando abusos e violações se tornavam públicos. As manifestações, inicialmente pacíficas, transformaram-se em episódios de violência após intervenções da PRM e do SERNIC, que recorreram ao uso desproporcional da força para reprimir os protestos. Durante a repressão foram utilizados métodos violentos, incluindo o disparo de gás lacrimogéneo, balas de borracha e munições reais contra cidadãos desarmados.
À data da denúncia inicial, o saldo da actuação policial era de 65 mortos, entre os quais jovens e crianças, e mais de 1.017 feridos, muitos dos quais vítimas de perseguições, quedas durante fugas desesperadas e impactos de balas. Com o fim da crise pós-eleitoral, o número total de mortes ultrapassou 500, e os feridos contam-se em milhares. O CDD foi actualizando continuamente esses dados, denunciando os efeitos prolongados da actuação violenta das forças de segurança. Entre as regiões mais afectadas destacam-se a província de Nampula e a cidade de Maputo. A denúncia sublinha que o uso de munições reais, gás lacrimogéneo e veículos blindados para dispersar manifestantes constitui uma violação da Constituição da República de Moçambique (CRM), que garante o direito à manifestação e à liberdade de expressão, bem como dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado moçambicano.
A repressão não se limitou às ruas. Foram também realizadas operações nocturnas em bairros residenciais, com relatos de invasões domiciliares, detenções arbitrárias e até execuções sumárias, especialmente na cidade de Maputo. Estas acções, muitas vezes conduzidas por agentes do SERNIC à paisana, foram descritas pela organização como uma “política de terror patrocinada pelo Estado”, com o objectivo de silenciar a oposição e intimidar a juventude que liderava os protestos.
PGR deve conduzir uma investigação minuciosa
O CDD exige que a PGR conduza uma investigação minuciosa para apurar as responsabilidades civis e criminais dos agentes directamente envolvidos, bem como das autoridades superiores que possam ter ordenado ou autorizado o uso da força letal. Além disso, solicita medidas de reparação às vítimas e às suas famílias, incluindo assistência médica, apoio psicológico e compensações financeiras, conforme previsto na legislação nacional e nos tratados internacionais em vigor.
Tanto o Comando-Geral da PRM quanto o SERNIC actuaram de forma abusiva e fora dos limites legais. Os actos descritos configuram crimes graves, como homicídio qualificado e ofensas corporais, nos termos do Código Penal moçambicano. O CDD requer ainda que seja admitido como assistente no processo, conforme o Código de Processo Penal, para acompanhar de perto o desenvolvimento das investigações e assegurar transparência. Face à gravidade dos acontecimentos, o CDD apela à atenção da comunidade nacional e internacional e insta as autoridades moçambicanas a respeitarem os princípios do Estado de Direito, garantindo a protecção dos direitos fundamentais e a responsabilização de todos os que os violaram.
A organização sublinha que a audiência a Bernardino Rafael não deve ser um expediente dilatório, mas sim um passo concreto na busca pela verdade e posterior responsabilização.